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A importância da avaliação pré-participação esportiva

A importância da avaliação pré-participação esportiva

Um tema de extrema importância e que jamais deveria ser negligenciado é a avaliação médica pré-participação esportiva (APP). Os benefícios decorrentes da prática bem orientada de exercícios físicos são inegáveis na maior parte das pessoas, no entanto é preciso estar atento para eventuais diagnósticos que podem ser efetuados neste momento, colocando o esportista em situação de risco.

Apesar da APP abranger diversos outros aspectos, neste texto vou me ater especificamente ao quesito cardiovascular e sua consequência mais danosa, a morte súbita.

Tradicionalmente, o conceito mais difundido é o de que a morte súbita relacionada ao exercício é aquela em que o óbito ocorre durante, ou até uma hora após o término da atividade, de maneira inesperada. Em nosso país, a cardiomiopatia hipertrófica é a patologia de base mais prevalente nos indivíduos menores de 35 anos, e a doença arterial coronariana na população acima dessa idade. Apesar de ser um evento raro, causa um grande impacto e repercussão na sociedade, principalmente quando envolve atletas profissionais.

A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e a Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) publicaram em conjunto, no ano de 2013, a Diretriz em Cardiologia do Esporte e do Exercício, no intuito de padronizar condutas e auxiliar os profissionais de saúde na prática diária com os pacientes, já que outrora tínhamos como referência apenas os protocolos da American Heart Association e da European Society of Cardiology, os quais não representam a realidade exata do Brasil em muitos aspectos.

De um modo geral, independente do paciente em questão ser um esportista recreativo ou um atleta profissional, o ponto de partida se dá com a anamnese (entrevista) e exame físico. Neste momento, procuramos identificar situações que possam sugerir patologias, as quais podem ser hipotetizadas, entre outros aspectos, a partir de sinais e sintomas relatados durante o repouso ou esforço, história familiar, alterações na ausculta cardíaca e padrões atípicos de constituição física (como na Síndrome de Marfan, frequentemente associada a disfunções cardiovasculares).

A partir de dados coletados nessa primeira etapa, e contextualizando com a idade e categoria do paciente, eventuais exames complementares são solicitados. O eletrocardiograma (ECG) de repouso, com 12 (doze) derivações, sem dúvida alguma, é o método de mais fácil acesso e melhor custo-benefício. Em países como a Itália, por exemplo, sua realização é sempre preconizada, ao passo que, em outros locais, como nos EUA, o mesmo só é recomendado em algumas situações. Outro exame bastante comum em nossa prática diária é a ecocardiografia, extremamente útil para o diagnóstico de cardiopatias estruturais.

O teste de esforço (teste ergométrico), ao fornecer uma monitorização eletrocardiográfica e de sinais vitais durante o estresse físico, pode ser útil ao identificar situações somente desencadeadas neste momento. Outros exames também podem ser solicitados, sempre de maneira contextualizada e coordenada, entre eles: laboratoriais, raio-x, holter, ecocardiografia de estresse, cintilografia miocárdica, cateterismo, estudo eletrofisiológico, ressonância magnética cardíaca.

A ergoespirometria, apesar de ter sua utilidade mais comentada no campo do alto rendimento, tem sua validade na suspeição de disfunções cardiopulmonares, a partir de gráficos específicos, construídos mediante análise direta dos gases respiratórios. No entanto, meu objetivo neste momento não é discorrer sobre a indicação pontual de determinado exame complementar em cada subgrupo, dados os muitos pormenores envolvidos.

De posse de todas as informações necessárias a respeito do caso de um paciente, chega-se a uma definição, que pode ir desde o encaminhamento para tratamento, ou até mesmo, como em várias situações, a conclusão de que a alteração encontrada é fisiológica, sendo indicado apenas o acompanhamento longitudinal. Este último aspecto é muito interessante de ser ressaltado, já que o atleta pode apresentar várias alterações no eletrocardiograma, as quais podem assustar um examinador não habituado, sendo solicitados diversos exames desnecessários, gerando estresse e gastos. Na Residência Médica de Medicina Esportiva somos exaustivamente treinados a identificar tais situações benignas no ECG. A diretriz científica da Conferência de Bethesda é extremamente útil para o médico neste momento, pois aborda recomendações de elegibilidade nos atletas portadores de anormalidades cardiovasculares.

Por fim, gostaria de deixar uma orientação prática para todos os leitores deste artigo, que é a atenção especial com determinados sintomas, os quais devem sinalizar para procura de auxílio médico imediato, e que são ressaltados em todos os protocolos: dor no peito ou desconforto torácico, palpitação (sensação do coração batendo fora do ritmo), síncope (desmaio), dispneia (falta de ar), astenia, tontura. Além disso, em tempos aonde os limites do ser humano estão sendo colocados cada vez mais à prova, através de verdadeiros desafios esportivos antes inimagináveis, espero ter despertado em muitos a importância da avaliação cardiológica. Procure um médico do esporte com adequada formação ou um cardiologista.

Treinem forte, mas sempre com segurança e responsabilidade!

Referências bibliográficas sugeridas:
1. GHORAYEB, Nabil et al. Diretriz em Cardiologia do Esporte e do Exercício da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 100, n. 1, p. 1-41, 2013.
2. FLETCHER, Gerald F. et al. Exercise Standards for Testing and Training A Scientific Statement From the American Heart Association. Circulation, v. 128, n. 8, p. 873-934, 2013.
3. PELLICCIA, Antonio et al. Recommendations for competitive sports participation in athletes with cardiovascular disease A consensus document from the Study Group of Sports Cardiology of the Working Group of Cardiac Rehabilitation and Exercise Physiology and the Working Group of Myocardial and Pericardial Diseases of the European Society of Cardiology. European Heart Journal, v. 26, n. 14, p. 1422-1445, 2005.
4. GRAHAM, T. P. et al. 36th Bethesda Conference: Eligibility recommendations for competitive athletes with cardiovascular abnormalities. Task Force 2: Congenital heart disease. J Am Coll Cardiol, v. 45, p. 1326-1333, 2005.
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