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Cuidando do atleta de MMA – O papel do médico do esporte

Cuidando do atleta de MMA – O papel do médico do esporte

O MMA (mixed martial arts – artes marciais mistas) é um esporte onde valências físicas como força, potência, velocidade e resistência são exigidas em níveis altíssimos, requerendo o desenvolvimento de uma ampla gama de habilidades fisiológicas.

A modalidade tem ganhado grande popularidade nos últimos anos, neste sentido faz-se necessário um estudo e discussão cada vez maiores para entender as necessidades deste atleta, no intuito de criar uma abordagem cada vez mais específica e acompanhar a profissionalização do esporte.
Quando se fala em Medicina Esportiva, muitos ainda possuem dúvidas sobre qual a função deste especialista na equipe: “cuidar das lesões e participar da reabilitação?”, “prescrever suplementos e medicamentos?”, “realizar avaliação cardiológica e liberar para a prática esportiva de maneira segura?”. Na realidade, o Médico do Esporte deve abordar o atleta de uma maneira global, trabalhando em conjunto e sinergia com os demais profissionais envolvidos no cuidado (preparador físico, treinadores, demais médicos, nutricionista, fisioterapeuta, quiropraxista, dentista, psicólogo, etc), respeitando os limites de cada profissão, porém transitando entre as diversas áreas através de uma linguagem em comum. É o médico que está “24 horas por dia” do lado do atleta.
De modo prático, podemos dividir este olhar global da Medicina Esportiva ao atleta de elite (neste caso, direcionando para o MMA) em alguns itens:
ASSEGURAR ÓTIMA SAÚDE CLÍNICA E CARDIOLÓGICA
Este é o ponto de partida na avaliação do atleta, garantir que esteja em ótima condição de saúde para a prática, no intuito de evitar algum agravo que comprometa sua preparação para uma luta ou até a mesmo a carreira como um todo. Se já possui alguma patologia diagnosticada, é importante saber como anda o seu controle e seguimento, lembrando que em muitos casos um atleta de elite pode conviver com algum “problema de saúde” e mesmo assim competir em alto nível normalmente. Do ponto de vista cardiológico, é de extrema importância que o Médico do Esporte avalie e ateste a segurança para lutar.
Nesse momento, exames importantes podem ser realizados como complementação à anamnese (entrevista) e exame físico: laboratoriais, eletrocardiograma, ecocardiograma, teste ergométrico (“teste da esteira”), avaliação de concussão cerebral (perda temporária da consciência em decorrência de traumatismo craniano), etc.
É importante lembrar que a mulher atleta possui algumas particularidades que devem ser exploradas, como por exemplo: ciclo menstrual e possíveis variações de humor e performance, perdas urinárias, anticoncepção. O ajuste fino de alguns pontos pode ser crucial no desempenho da lutadora. É sempre válido reforçar que ausência/alteração menstrual deve ser investigada, e não encarada como normalidade pelo fato de ser atleta.
ASSEGURAR ÓTIMA SAÚDE MUSCULOESQUELÉTICA E PREVENÇÃO DE LESÕES
A avaliação de lesões existentes no momento, bem como do histórico pregresso, é muito importante. Se algo acomete o atleta no presente, é fundamental avaliar o quanto está prejudicando a performance ou colocando em risco para algo mais sério. No mundo real do esporte de alto rendimento, muitas vezes estratégias são elaboradas em conjunto com a equipe de reabilitação para “treinar em volta da lesão” e evitar o afastamento definitivo, em virtude de todos os aspectos burocráticos e econômicos envolvidos. Em outros momentos, o repouso relativo ou até mesmo total é indicado, lembrando sempre que no esporte nem sempre “mais é melhor”. Caso o paciente seja encaminhado a um cirurgião ortopedista para avaliação, é fundamental que o Médico do Esporte esteja em contato com este profissional.
O campo da prevenção de lesões ganha cada vez mais espaço com a atuação de profissionais como o fisioterapeuta e o quiropraxista. A quiropraxia é uma profissão regulamentada em países como os EUA, possui formação universitária no Brasil, e visa corrigir desalinhamentos da coluna vertebral que possam favorecer o surgimento de dores e problemas em geral, como as comuns lesões musculares em região dorsal dos lutadores (corriqueiras nos treinos de wrestling), que podem ter seu “gatilho” em uma coluna mal ajustada. Várias técnicas e terapias adicionais podem ser utilizadas na tentativa de otimizar a recuperação e controlar as dores, como a acupuntura, massagens e crioterapia.
É consenso entre os principais preparadores físicos o fato de que o treinamento de força nunca deve ser negligenciado em lutadores de MMA, em detrimento único dos circuitos, sendo os movimentos básicos de grande importância na construção de uma base sólida para a performance e prevenção de lesões. Nas mulheres, de um modo geral, dois itens que devem receber especial atenção na elaboração do programa de treinamento resistido são o aumento da força muscular de parte superior do corpo e a prevenção das lesões de joelho.
É ideal que o Médico do Esporte tenha contato estreito com estes profissionais envolvidos na abordagem terapêutica e preventiva de lesões. Inteligência, experiência e saber “escutar” o corpo são fundamentais para uma carreira com longevidade no esporte, especialmente em uma modalidade com contato tão extremo.
OTIMIZAR A PERFORMANCE
O MMA é um esporte com grande exigência dos sistemas energéticos aeróbio e anaeróbio. Neste sentido, a otimização da performance inclui uma série de estratégias combinadas e individualizadas, formadas pelo tripé: alimentação/suplementação, treinamento e descanso/recuperação. A saúde mental/neuropsíquica não deve ser negligenciada, e hoje ganha cada vez mais espaço através da psicologia esportiva e algumas estratégias para trabalhar o equilíbrio de neurotransmissores; além da odontologia do esporte, com atuação na manutenção da saúde bucal e também no desempenho.
A interpretação de exames laboratoriais do atleta de alto rendimento exige algumas particularidades, pois qualquer nível subótimo pode comprometer um processo de perda de peso eficiente (com diminuição de gordura e preservação da massa magra), favorecer a queda de performance durante o camp de preparação, prejudicar a recuperação ou contribuir para o surgimento de uma lesão. A avaliação fisiológica pela ergoespirometria, um exame bem difundido no âmbito da Medicina Esportiva, pode fornecer informações importantes ao preparador físico/fisiologista na elaboração do treinamento.
A perda de peso para a luta é um assunto que gera bastante discussão, e hoje sabemos que uma diminuição rápida e grande do peso corporal está diretamente ligada à diminuição da performance, devendo ser evitada até mesmo para a saúde do atleta e sua longevidade no esporte. Quem não se lembra de algum grande lutador que perdeu completamente o “gás” no segundo round ou que estava com os movimentos e reflexos lentos desde o início da luta? Este é um assunto de extrema seriedade, que prejudica a carreira de muitos lutadores, e o Médico do Esporte deve participar ativamente do processo, elaborando um planejamento em conjunto com o nutricionista e preparador físico.
Alguns suplementos podem ser de muita utilidade, como exemplo: proteínas e carboidratos, creatina, beta-alanina, aminoácidos, antioxidantes específicos (coenzima Q10, ácido alfa-lipóico, etc), adaptógenos, ômega-3, vitaminas do complexo B (cofatores do metabolismo energético e ciclo da metilação), vitamina D, minerais isolados (zinco, magnésio, ferro, etc), probióticos, fitoquímicos, protetores articulares, entre outros. Sem dúvida alguma, a alimentação é a base fundamental, mas em um atleta deste grau de exigência física e demanda recuperativa (vários treinos em um mesmo dia), a suplementação é um recurso muito interessante na grande maioria dos casos, porém deve ser individualizada para cada perfil (biotipo e exames) e fase específica da periodização.
Em um cenário atual de atletas com nível técnico muito semelhante, a preparação física ganha cada vez mais importância na diferenciação de um grande campeão. O preparador deve desenhar um programa que reflita a demanda metabólica do esporte, mesclando estratégias para o desenvolvimento de força muscular, treinamento intervalado (como em circuitos), isometria (a força estática é muito exigida nas tentativas de finalização, clinch e luta no solo).
COLETA DE DADOS DE BASE
Ter um registro de todas as informações, dados e exames do paciente ao longo do tempo e da periodização possibilita uma assistência cada vez melhor e a elaboração de estratégias mais efetivas.
DESENVOLVER RELACIONAMENTO PROFISSIONAL COM O ATLETA
O estabelecimento de uma relação de confiança do Médico do Esporte com o lutador é ponto-chave, evitando que o atleta omita informações por não se sentir a vontade. Uma relação próxima com o head coach também é muito importante. Deve estar disponível para o esclarecimento de dúvidas, problemas que surgem de maneira inesperada e ter a habilidade em direcionar para outros profissionais que possam ser necessários para a resolução de um quadro. Quando isso ocorrer, deve participar ativamente do processo, fornecendo informações necessárias.

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